Quatro coisas neste mundo

Quatro coisas neste mundo é uma velha expressão nordestina, já em desuso pelas novas gerações, que não pode ser confundida com “Quanta coisa neste mundo”. Enquanto esta denota um encantamento diante das coisas maravilhosas que nos cercam, principalmente os fenômenos da natureza, aquela representa o espanto, a perplexidade perante as inusitadas ações humanas com as quais nos deparamos no dia-a-dia, ao longo de nossa existência.
Não se sabe por que a escolha do número quatro para simbolizar esses acontecimentos (Liberdade poética de um povo imaginativo? Representação místico-popular?
Numerologia sertaneja?), mas é evidente que este quatro cabalístico deve ser a síntese de tudo o que é estranho, inadmissível, decepcionante, incompreensível, inacreditável, pitoresco, bizarro e surpreendente no ser humano.
São acontecimentos assim caracterizados que compõem o cenário da história, ou das histórias narradas neste romance de Marcondes Araujo. O fio condutor é o saudoso, ressentido e derradeiro passeio de um velho pioneiro, acompanhado do neto, pelas ruas da cidade que ele ajudou a fundar, e pela qual foi esquecido.
Ambos acabam compartilhando as histórias fantásticas que forjaram a memória corrompida e dilacerada do lugar. Histórias que revelam as diversas faces do ser humano, algumas trágicas, outras cômicas, outras absurdas, outras comoventes, mas todas impregnadas da hipocrisia e da maledicência disseminadas na construção de qualquer sociedade.
Algumas são tão surpreendentes que arrancam do velho pioneiro, acostumado a tantas situações absurdas durante sua vida, a indignada expressão “quatro coisas neste mundo”.
A caminhada termina com uma inimaginável cena de reconciliação, em que o antigo tropeiro consegue superar um atávico e rancoroso preconceito, proporcionando ao seu neto, o narrador da história, os subsídios para finalmente realizar um antigo desejo de se tornar escritor.

Autor: Marcondes Araujo